De tanto copiar seu mestre declarado, Alfred Hitchcock, o jovem diretor Brian De Palma vai se tornando inimitável – o que talvez seja bom para todos. Aos 36 anos e autor de oito filmes desde 1964 (Carrie é o sétimo), ele é um típico representante da nova e cinemaníaca geração de diretores que tudo viram, tudo reviram, tudo curtiram. Certamente por isso Carrie se parece com dezenas de outros filmes – e não deve ser outra a razão que levou De Palma a preservar todos os mitos a que, quando jovem, assistiu nas salas de cinema. A moçada colocada agora em cena, num subúrbio de Los Angeles, continua se comportando como no tempo em que os adolescentes tinham acne, tudo sacrificavam para comparecer ao baile de formatura e faziam pequenas perversidades com os colegas que não conseguiam triunfos nos campos esportivos ou nos bancos dos carros onde namoravam. A estranha Carrie (Sissy Spacek), tão ignorante de seu próprio corpo que se imagina morrendo de hemorragia quando tem sua primeira menstruação, é um retrato acabado de todas as adolescentes-problema que penaram nos estúdios de Hollywood.
A antiguidade das jovens personagens do filme torna-se ainda mais constrangedora quando De Palma revela, na segunda metade de sua história, que na verdade está contando outra vez a fábula do Patinho Feio. A esquisita Carrie, tornada graciosa dentro de um vestido que ela mesma costurou, escondida da vigilância tenebrosa da mãe, brilha então, por alguns minutos, como a Rainha do Baile de Formatura. A coisa toda termina, porém, em desastre. A novidade que De Palma tem a acrescentar a seu rosário de imagens encardidas é que o Patinho Feio não é apenas belo – mas também mortalmente perigoso, principalmente quando fica com raiva do mundo e emprega sua capacidade paranormal de movimentar objetos por meio de concentração mental.
Ritual de horror temperado com as mesquinharias morais de suas personagens, Carrie acaba dando a impressão de que começa como um poema sobre ninfetas banhando-se nos chuveiros de uma escola e termina como um pesadelo necrófilo dirigido por Vincent Price ou Peter Cushing. Entre esses dois extremos passeia, em movimentos francamente descarados, a incapacidade do diretor em se fixar na história de amor e vingança que está contando.
De Palma adora exageros. A mãe de Carrie, interpretada convenientemente com as caretas do teatro de marionetes pela veterana Piper Laurie (aquela mesma que passeava em camelos ao lado de Tony Curtis nos anos 50), é tão fanática em sua crença religiosa do “pecado natural” que perde logo sua carga de agressividade e consequente poder de intimidar a plateia. A suave Carrie é tão sofrida e tão tiranizada pela mãe e colegas de escola que se anseia o tempo todo que mude logo de filme. Acima de tudo, De Palma aprecia banhos de sangue em doses torrenciais – num deles, por exemplo, é o balde cheio do sangue de um porco que despenca sobre a cabeça das personagens.
O fantasma de Hitchcock, invocado pelo diretor para assombrar essa e outras cenas de suspense, por certo não levaria seu gosto pela metáfora a tais extremos. Ao optar por um realismo brutal para dar forma a essa teia de espiritismo, bruxaria, fanatismo e medo do inferno, De Palma renunciou a todas as surpresas que a mente assustadora de Carrie poderia preparar para suas vítimas. Não por coincidência, tudo acaba como em um disaster movie – algo tão disparatado que só mesmo alguém intoxicado de cinema como De Palma, o estranho, poderia conceber.